sábado, 28 de fevereiro de 2015

Discussão: "Um teto todo seu", Virginia Woolf


“Por menor que fosse, esse pensamento tinha, apesar de tudo, o mistério próprio de sua espécie – de volta à mente, tornou-se imediatamente muito empolgante e digno de atenção; e, conforme zunia, afundava e zanzava para lá e para cá, despertava um aluvião e um tumulto de ideias tal que me era impossível ficar parada. Foi assim que me vi andando extremamente rápido através de um gramado. Na mesma hora a figura de um homem surgiu para me interceptar. Não percebi de pronto que as gesticulações daquele objeto curioso, de fraque e camisa formal, eram dirigidas a mim. O rosto dele expressava horror e indignação. O instinto, em vez da razão, veio me socorrer: ele era um bedel, eu era uma mulher. Aqui era o gramado; ali estava o caminho. Somente os estudantes e os professores eram admitidos aqui; o cascalho era o meu lugar.”

Um convite para falar sobre As mulheres e a ficção em palestra na década de 1920 resulta no ensaio que compõe o maravilhoso livro “Um teto todo seu”, de Virginia Woolf, lançado em 1928. A escolha desse ensaio para discussão aqui no Bastardas mostrou o quanto de atualidade ainda existe nas palavras de Virginia e como as mulheres ainda estão em constante luta por espaço e por esse teto só seu.

No começo, a escritora inglesa nos fala sobre as dificuldades que uma mulher tem em simplesmente entrar em ambientes mais intelectuais, como a universidade. Inclusive no trecho escolhido para o começo dessa postagem, vemos como a mulher é interrompida constantemente em seu pensamento quando resolve adentrar esse terreno. A forma como Virginia constrói essa primeira parte do livro parece ser bastante significativa, uma vez que acompanhamos as idas e vindas e as descobertas que ela faz quando permite a fluência do pensamento. E tem uma correlação com o final do ensaio, uma vez que depois entendemos que é para evitar essas interrupções que as mulheres que querem escrever ficção (ou simplesmente pensar por si próprias) precisam da tranquilidade de um lugar só seu.

O ensaio aborda também a necessidade que o homem tem em falar e escrever a respeito das mulheres, opinando sobre qualquer assunto. Apesar do espaço quase nulo reservado nas prateleiras das bibliotecas para a escritora, a mulher e o feminino são objeto de escrutinação por parte dos homens que escrevem. Isso também aparece como uma forma de aprisionamento, afinal a mulher acaba se moldando culturalmente a partir da visão que o homem tem dela. Até meados do século XX, a figura feminina na literatura estava constantemente associada à loucura e à morte. E à inferioridade, uma vez que diversos desses livros escritos sobre mulheres fazem questão de ressaltar esse lado. Virginia levanta hipóteses a respeito dessa necessidade que o homem tem em falar sobre a mulher e também sobre o ódio que muitos demonstram ter pelo gênero: seria o medo que o homem tem de ser superado pela mulher? Também é muito interessante quando ela fala sobre o endeusamento que alguns livros fazem com a figura feminina como uma forma de aprisionar ainda mais a mulher. Colocá-la em patamares difíceis de alcançar é uma maneira de oprimir.

O capítulo em que fala sobre a irmã de Shakespeare foi um dos mais fortes do livro para mim, principalmente quando penso que até hoje existe essa separação para as crianças do que são atividades de menina e de menino. Esse ano li uma pesquisa que falava sobre mulheres na ciência, onde foi constatado que mesmo entre pesquisadoras já renomadas, que trabalham em institutos tecnológicos avançados, ainda existe esse tipo de separação. 70% das pesquisadoras mulheres achavam que eram inferiores aos homens no que faziam. Ainda é uma realidade muito brutal.

Por fim, mas não menos importante, Virginia menciona também a simplicidade como são tratados os relacionamentos entre as mulheres. Na página 119, ela fala:

“Todos os relacionamentos entre as mulheres, pensei, repassando rapidamente a esplêndida galeria de mulheres ficcionais, são muito simples. Muita coisa foi deixada de fora, sem ser abordada. E tentei me lembrar de algum caso, no decorrer de muitas leituras, em que duas mulheres tivessem sido representadas como amigas.”

Penso que esse seja um exercício diário para nós e por isso a importância desses movimentos de diversificação da leitura. Os tipos de narrativa que não se preocupam com isso ainda existem em grande maioria nos dias de hoje e a tendência é que elas continuem, se não houver um movimento em sentido contrário.

Então, vamos começar a discussão! Entrem no fórum e deixem sua opinião: Forum Bastardas.

Um comentário:

  1. Obrigada pela discussão...tenho uma cadeira na universidade que se chama: Mulher e Literatura. Neste exato momento estou lendo os primeiros capítulo desse maravilhoso livro. :)

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