Eu não senti raiva do Sartre. Talvez só uma raivinha, que passou rápido, quando me dei conta de que, por melhor escritora e pesquisadora que seja, e ainda que se mantenha fiel aos relatos dos fatos acontecidos, uma autora dificilmente é capaz de exprimir as emoções e sensações exatas de quem as viveu, principalmente quando os biografados não prestaram depoimentos diretos a quem escreve. Também não senti raiva do Sartre porque, embora respeite e me interesse pela produção artística e intelectual da Simone de Beauvoir, sempre olhei com alguma desconfiança o excesso de culto à pessoa que ela foi - ou que pareceu ser. Sim, pareceu ser. Lembro de ter pensado logo nas primeiras páginas do livro de-li-ci-o-so da Hazel Rowley que, se vivesse hoje, Simone de Beauvoir usaria o Instagram. Dos lugares que frequentavam ao tipo de relações que estabeleceram entre si e com terceiros, quartos e quintos, passando por roupas, pequenos arroubos e escolhas mais ou menos polêmicas, tudo na vida do casal Beauvoir-Sartre pareceu cuidadosamente concebido para criar a aura que sobrevive relativamente intacta ao passar dos anos que os transformaram em ícones; às vezes, ou quase sempre, até mesmo em detrimento da arte e do pensamento que cada um deles produziu.
Tête-à-Tête aumentou ainda mais o meu desejo de tirar os dois volumes de O Segundo Sexo da estante para iniciar o desbravamento da obra da autora de quem conheço quase nada além da ficção; e também me deixou ainda mais desejosa do livro de cartas trocadas entre Simone e Nelson Algren. Seria a Simone de Nelson, a do final do relacionamento com Nelson, descrita por ele, a verdadeira Simone de Beauvoir? Podemos supor que existem verdadeiros nós e, portanto, existiu uma verdadeira Beauvoir?
Hazel Rowley escreveu uma história despida de deslumbrismos, retratando os intelectuais biografados como personagens cometedores de erros e acertos; sobreviventes e vivedores, como todos nós, de inseguranças, dúvidas e de incertezas. A autora não teve medo de, apesar da admiração declarada, escrever sobre uma Simone que, como quase todos os seres humanos, sofreu, chorou e por vezes abdicou de si em favor de um relacionamento amoroso aparentemente fracassado ou não exatamente feliz.
Tête-à-Tête me encantou principalmente porque fez com que eu notasse os assemelhamentos entre nós e os biografados, que parecem ter vivido uma vida extraordinariamente próxima daquilo que denominamos real. A vida real que é como é, repleta de contrastes, com momentos monocromáticos, sem ajuste de luz ou saturação das cores. Escritos por Hazel Rowley, Beauvoir e Sartre - e o relacionamento entre eles - podem ser lidos repletos de imperfeições e distantes daquilo que consideramos ideal, sem filtro.
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quarta-feira, 25 de março de 2015
domingo, 25 de janeiro de 2015
Discussão: "Tête-à-tête", Hazel Rowley
Feminismo
e Existencialismo. Café de Flore. Castor. Paris. Amor e Liberdade.
Inferno e Amor.
Joguei
palavras soltas que invariavelmente nos remetem ao casal Simone de
Beauvoir e Jean-Paul Sartre e é a partir delas que pretendo falar sobre
o maravilhoso “Tête-à-tête”, de Hazel Rowley, a biografia
desse relacionamento. Antes do meu encontro com o livro sabia pouco a
respeito da dinâmica entre eles a não ser o que é de conhecimento público para aqueles que já flertaram com o existencialismo em alguma época da vida: Beauvoir e Sartre
mantinham um relacionamento aberto e falavam tudo sobre as relações
paralelas que mantinham um ao outro. Tinham um pacto entre eles de
sinceridade absoluta. Esse pacto não era muito bem visto pelas outras mulheres
e homens com quem o casal se relacionava. Sabia também que entre os
dois surgiam problemas em relação a essa sinceridade, mas
nada que abalasse a união emocional e intelectual do casal.
Os dois precisavam um do outro para produzir e era das conversas e
debates que surgiam algumas importantes ideias. Era no “Tête-à-tête”
que ambos se realizavam e não podemos saber o que teria acontecido
com a literatura e filosofia que foi concebida por Simone e Sartre se
o encontro não tivesse acontecido. O livro da Hazel corroborou tudo
isso que eu já conhecia e me fez ir além ao mostrar as dificuldades enfrentadas principalmente no papel que cabia a Simone.
Sentia que, para as mulheres, o amor tinha um custo, e que havia uma parte dela que provavelmente nenhum homem jamais aceitaria. “Falo do amor de forma mística, sei o preço”, diz ela. “Sou muito inteligente, muito exigente e muito engenhosa para alguém ser capaz de se encarregar completamente de mim. Ninguém me conhece nem me ama completamente. Só tenho a mim”. (pág. 34)
Desde o
início do relacionamento Sartre diz a Simone que não está
interessado em monogamia e que o amor entre eles era essencial e
fundamental pois eram o duplo um do outro mas que isso não os
impedia de ter “casos contingentes”. Estariam livres de ciúmes
se contassem absolutamente tudo em uma espécie de
transparência absoluta. Essa ideia, que se encaixa na filosofia
existencialista sistematizada posteriormente, parecia excitante à
primeira vista se não fosse a diferença que existia (existe) no
tratamento dado a homens e mulheres: para Sartre seria a continuidade
de uma situação já conhecida, para Simone seria a luta contra
todo o preconceito de uma sociedade. Ela aceita, causando uma certa
surpresa ao próprio Sartre. Estavam estabelecidas as bases desse
relacionamento que perduraria por toda uma vida.
A força
de Simone nesse primeiro momento é palpável durante a leitura, provavelmente fruto da admiração que a biógrafa sentia por ela.
Assim como o incômodo produzido com as atitudes de Sartre. Enquanto
para ele as coisas aconteciam de forma natural, ela precisava se
adequar àquela ideia. E como eu comecei a me incomodar demasiado com
Sartre parei e me questionei: se ele estava agindo de acordo com a sua teoria ("o homem está condenado a ser livre") então porque eu sentia raiva dele e compaixão pelas
outras mulheres com as quais se relacionava? Talvez por que a
liberdade existencialista que ele propunha só fosse possível em uma
sociedade igualitária? Acho que tem a ver com isso e também com as outras pessoas que compunham a vida dos
dois. Mulheres nas quais era facilmente identificável alguma fraqueza ou ausência, que ficavam felizes em receber atenção de um homem como ele. Claro
que em uma relação como essa existem os ganhos secundários também
por parte de quem se envolvia e aceitava ser um caso contingente. Mas
me pergunto se era possível enxergar as regras com a transparência
que a situação exigia. Vale lembrar que enquanto os relacionamentos
amorosos de Sartre com outras mulheres eram de conhecimento da
maioria, os de Simone com outros homens precisavam ser mantidos em
sigilo pois eles eram casados com outras mulheres. Esse é um ponto para discussão.
Hazel
ressalta a colaboração intelectual que acontecia entre Sartre e
Beauvoir e para mim esses são os momentos mais emocionantes do
livro. Não pude deixar de pensar em outros casais onde uma das
figuras (normalmente a masculina) condenava a outra ao ostracismo. Ao
lado de Sartre, Simone pôde ser livre intelectualmente e talvez essa
tenha sido a principal razão que os uniu por tanto tempo: experimentar as possibilidades que um diálogo honesto proporciona.
Esse pacto tinha raízes na liberdade de poder escrever
principalmente sobre a sua própria vida e transformar aspectos não
tão agradáveis em ficção. Em outros momentos de sua vida Simone
teve a possibilidade de ter uma relação monogâmica mas preferiu
permanecer ao lado de Sartre. Essa escolha não implica a falta de
sofrimento, como vimos em algumas cartas que ela escreveu para outros
de seus pares. Mas isso não retira a legitimidade dessa escolha como
pude ver em algumas críticas ao relacionamento Beauvoir-Sartre.
Nas relações que tiveram, Sartre e Beauvoir nunca deixaram de viver como escritores. Era um engajamento total, todas as horas do dia. Prometeram contar “tudo” um ao outro, nos mínimos detalhes. Transformar a vida em narrativa era talvez seu prazer mais voluptuoso (pág. 11)

Esses são apenas alguns aspectos contidos na história do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir. O objetivo desse post é abrir uma discussão que acontecerá de forma mais aprofundada no fórum vinculado ao blog, para participar é só clicar aqui , fazer o registro e participar.
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