Mostrando postagens com marcador Tête-à-Tête. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Tête-à-Tête. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 25 de março de 2015

Tête-à-Tête: Simone, Sartre e Instagram

Eu não senti raiva do Sartre. Talvez só uma raivinha, que passou rápido, quando me dei conta de que, por melhor escritora e pesquisadora que seja, e ainda que se mantenha fiel aos relatos dos fatos acontecidos, uma autora dificilmente é capaz de exprimir as emoções e sensações exatas de quem as viveu, principalmente quando os biografados não prestaram depoimentos diretos a quem escreve. Também não senti raiva do Sartre porque, embora respeite e me interesse pela produção artística e intelectual da Simone de Beauvoir, sempre olhei com alguma desconfiança o excesso de culto à pessoa que ela foi - ou que pareceu ser. Sim, pareceu ser. Lembro de ter pensado logo nas primeiras páginas do livro de-li-ci-o-so da Hazel Rowley que, se vivesse hoje, Simone  de Beauvoir usaria o Instagram. Dos lugares que frequentavam ao tipo de relações que estabeleceram entre si e com terceiros, quartos e quintos, passando por roupas, pequenos arroubos e escolhas mais ou menos polêmicas, tudo na vida do casal Beauvoir-Sartre pareceu cuidadosamente concebido para criar a aura que sobrevive relativamente intacta ao passar dos anos que os transformaram em ícones; às vezes, ou quase sempre, até mesmo em detrimento da arte e do pensamento que cada um deles produziu.
Tête-à-Tête aumentou ainda mais o meu desejo de tirar os dois volumes de O Segundo Sexo da estante para iniciar o desbravamento da obra da autora de quem conheço quase nada além da ficção; e também me deixou ainda mais desejosa do livro de cartas trocadas entre Simone e Nelson Algren. Seria a Simone de Nelson, a do final do relacionamento com Nelson, descrita por ele, a verdadeira Simone de Beauvoir? Podemos supor que existem verdadeiros nós e, portanto, existiu uma verdadeira Beauvoir?
Hazel Rowley escreveu uma história despida de deslumbrismos, retratando os intelectuais biografados como personagens cometedores de erros e acertos; sobreviventes e vivedores, como todos nós, de inseguranças, dúvidas e de incertezas.  A autora não teve medo de, apesar da admiração declarada, escrever sobre uma Simone que, como quase todos os seres humanos, sofreu, chorou e por vezes abdicou de si em favor de um relacionamento amoroso aparentemente fracassado ou não exatamente feliz.

Tête-à-Tête me encantou principalmente porque fez com que eu notasse os assemelhamentos entre nós e os biografados, que parecem ter vivido uma vida extraordinariamente próxima daquilo que denominamos real. A vida real que é como é, repleta de contrastes, com momentos monocromáticos, sem ajuste de luz ou saturação das cores. Escritos por Hazel Rowley, Beauvoir e Sartre - e o relacionamento entre eles - podem ser lidos repletos de imperfeições e distantes daquilo que consideramos ideal, sem filtro.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Discussão: "Tête-à-tête", Hazel Rowley



Feminismo e Existencialismo. Café de Flore. Castor. Paris. Amor e Liberdade. Inferno e Amor.

Joguei palavras soltas que invariavelmente nos remetem ao casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre e é a partir delas que pretendo falar sobre o maravilhoso “Tête-à-tête”, de Hazel Rowley, a biografia desse relacionamento. Antes do meu encontro com o livro sabia pouco a respeito da dinâmica entre eles a não ser o que é de conhecimento público para aqueles que já flertaram com o existencialismo em alguma época da vida: Beauvoir e Sartre mantinham um relacionamento aberto e falavam tudo sobre as relações paralelas que mantinham um ao outro. Tinham um pacto entre eles de sinceridade absoluta. Esse pacto não era muito bem visto pelas outras mulheres e homens com quem o casal se relacionava. Sabia também que entre os dois surgiam problemas em relação a essa sinceridade, mas nada que abalasse a união emocional e intelectual do casal. Os dois precisavam um do outro para produzir e era das conversas e debates que surgiam algumas importantes ideias. Era no “Tête-à-tête” que ambos se realizavam e não podemos saber o que teria acontecido com a literatura e filosofia que foi concebida por Simone e Sartre se o encontro não tivesse acontecido. O livro da Hazel corroborou tudo isso que eu já conhecia e me fez ir além ao mostrar as dificuldades enfrentadas principalmente no papel que cabia a Simone.

Sentia que, para as mulheres, o amor tinha um custo, e que havia uma parte dela que provavelmente nenhum homem jamais aceitaria. “Falo do amor de forma mística, sei o preço”, diz ela. “Sou muito inteligente, muito exigente e muito engenhosa para alguém ser capaz de se encarregar completamente de mim. Ninguém me conhece nem me ama completamente. Só tenho a mim”. (pág. 34)

Desde o início do relacionamento Sartre diz a Simone que não está interessado em monogamia e que o amor entre eles era essencial e fundamental pois eram o duplo um do outro mas que isso não os impedia de ter “casos contingentes”. Estariam livres de ciúmes se contassem absolutamente tudo em uma espécie de transparência absoluta. Essa ideia, que se encaixa na filosofia existencialista sistematizada posteriormente, parecia excitante à primeira vista se não fosse a diferença que existia (existe) no tratamento dado a homens e mulheres: para Sartre seria a continuidade de uma situação já conhecida, para Simone seria a luta contra todo o preconceito de uma sociedade. Ela aceita, causando uma certa surpresa ao próprio Sartre. Estavam estabelecidas as bases desse relacionamento que perduraria por toda uma vida.

A força de Simone nesse primeiro momento é palpável durante a leitura, provavelmente fruto da admiração que a biógrafa sentia por ela. Assim como o incômodo produzido com as atitudes de Sartre. Enquanto para ele as coisas aconteciam de forma natural, ela precisava se adequar àquela ideia. E como eu comecei a me incomodar demasiado com Sartre parei e me questionei: se ele estava agindo de acordo com a sua teoria ("o homem está condenado a ser livre") então porque eu sentia raiva dele e compaixão pelas outras mulheres com as quais se relacionava? Talvez por que a liberdade existencialista que ele propunha só fosse possível em uma sociedade igualitária? Acho que tem a ver com isso e também com as outras pessoas que compunham a vida dos dois. Mulheres nas quais era facilmente identificável alguma fraqueza ou ausência, que ficavam felizes em receber atenção de um homem como ele. Claro que em uma relação como essa existem os ganhos secundários também por parte de quem se envolvia e aceitava ser um caso contingente. Mas me pergunto se era possível enxergar as regras com a transparência que a situação exigia. Vale lembrar que enquanto os relacionamentos amorosos de Sartre com outras mulheres eram de conhecimento da maioria, os de Simone com outros homens precisavam ser mantidos em sigilo pois eles eram casados com outras mulheres. Esse é um ponto para discussão. 

Hazel ressalta a colaboração intelectual que acontecia entre Sartre e Beauvoir e para mim esses são os momentos mais emocionantes do livro. Não pude deixar de pensar em outros casais onde uma das figuras (normalmente a masculina) condenava a outra ao ostracismo. Ao lado de Sartre, Simone pôde ser livre intelectualmente e talvez essa tenha sido a principal razão que os uniu por tanto tempo: experimentar as possibilidades que um diálogo honesto proporciona. Esse pacto tinha raízes na liberdade de poder escrever principalmente sobre a sua própria vida e transformar aspectos não tão agradáveis em ficção. Em outros momentos de sua vida Simone teve a possibilidade de ter uma relação monogâmica mas preferiu permanecer ao lado de Sartre. Essa escolha não implica a falta de sofrimento, como vimos em algumas cartas que ela escreveu para outros de seus pares. Mas isso não retira a legitimidade dessa escolha como pude ver em algumas críticas ao relacionamento Beauvoir-Sartre.

Nas relações que tiveram, Sartre e Beauvoir nunca deixaram de viver como escritores. Era um engajamento total, todas as horas do dia. Prometeram contar “tudo” um ao outro, nos mínimos detalhes. Transformar a vida em narrativa era talvez seu prazer mais voluptuoso (pág. 11)





Esses são apenas alguns aspectos contidos na história do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir. O objetivo desse post é abrir uma discussão que acontecerá de forma mais aprofundada no fórum vinculado ao blog, para participar é só clicar aqui , fazer o registro e participar. 


segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Início e convite

Tudo começo de forma despretensiosa, com amigas trocando livros e combinando de discuti-los. Por que não escrever textos com nossas impressões de leitura? Por que não formar um clube do livro feminista? E assim nasceu o blog "As Bastardas".

O nome veio de "A Bastarda", talvez o livro mais famoso de Violette Leduc, escritora francesa que agora se tornou conhecida do grande público graças ao filme "Violette". Infelizmente o mesmo encontra-se esgotado no Brasil e não é possível encontrá-lo nem em sebos. Esperamos que graças ao filme alguma editora resolva relançá-lo.

O primeiro livro escolhido para discussão foi "Tête-à-Tête" que traz correspondência de Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre. Nossa intenção é fazer diversos posts temáticos ao longo do tempo em que leremos o livro, desde curiosidades, fotos e até mesmo textos a respeito da obra e dos autores. Deixaremos um post específico para que todos possam comentar e compartilhar conosco suas opiniões a respeito do livro.

Assim convidamos a todos que nos acompanhem neste blog e que acompanhem nossas discussões a respeito do feminismo, da literatura e demais assuntos que venham destes temas.