terça-feira, 8 de setembro de 2015

Livros para discussão em setembro


Oi, gente, tudo bem?

Essa postagem é para atualizar quem acompanha o blog e o fórum com as próximas leituras. Nos últimos três meses nos concentramos na leitura do volume 1 de "O segundo sexo" da Simone de Beauvoir, que tem rendido boas discussões e muitas descobertas. Continuaremos então com essa leitura, começando agora em setembro o volume 2, intitulado "A experiência vivida", que tem início com a célebre frase da Simone: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher". A discussão começará no dia 15/09 e será dos dois primeiros capítulos da parte inicial do segundo volume, chamada "Formação":

1. Infância
2. A jovem

Além disso, decidimos voltar com as leituras mensais de outros livros, para termos mais discussões nessa reta final de 2015. Para o mês de setembro escolhemos um clássico da literatura brasileira que foi reeditado recentemente, "O quinze" da escritora cearense Rachel de Queiroz, publicado quando ela tinha 20 anos de idade e que fala um pouco de sua experiência na infância com a seca de 1915. A discussão terá início no dia 03/10 e fica aqui o convite para a leitura ou releitura desse romance.

Sinopse: 1915, sertão central do Ceará. Uma grande seca dizimou boa parte da população local. A jovem professora Conceição que trabalha em Fortaleza, passa as férias na fazenda de sua avó, Mãe Inácia, no município de Quixadá. Lá, ela convive com os problemas da seca, além de se envolver com seu primo, o fazendeiro Vicente. No município, também vive Chico Bento que trabalha como vaqueiro na fazenda de Dona Marocas. Ao receber uma ordem de se retirar do local, Chico negocia com Vicente sua pequena criação em troca de uma burra velha e uma quantia em dinheiro e parte com sua família rumo a Fortaleza, enfrentando as dificuldades do percurso.









Abraços e até breve!

domingo, 17 de maio de 2015

Convite de leitura: "O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir

Boa tarde!

Como estão todos? Esperamos que bem e que estejam gostando de nos acompanhar nas leituras. 

Para junho gostaríamos de propor algo diferente: que tal ler "O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir? O livro é bastante extenso e com muitas informações, que demandam reflexão e discussão. Pensamos em propor uma divisão de capítulos por mês e vamos aos poucos conversando por aqui. 



Pensamos na seguinte agenda:

Volume 1
15/06 - Discussão da primeira parte "Destino", até página 98
15/07 - Discussão da segunda parte "História", até página 206
15/08 - Discussão da terceira parte "Os Ritos", até página 356
(Usamos como base de páginas a nova edição, em volume único, lançada pela Nova Fronteira)

Assim que finalizarmos o primeiro volume, faremos a divisão do segundo. 

Por enquanto daremos uma pausa nas leituras de outros livros, veremos como correrão as discussões e se é viável acrescentarmos outras leituras. Claro que sugestões são sempre bem vindas. 

 
Dessa forma, convidamos vocês a nos acompanharem na discussão daquele que talvez seja o livro mais importante para o pensamento feminista.

Lembrando que no final de maio tem discussão de "A Louca da Casa" de Rosa Montero. Não deixem de comentar no fórum e nos enviar links de vídeos e resenhas.

Abraços e até breve!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

"Memórias de uma Beatnik", Diane di Prima



O texto de hoje foi escrito pela autora convidada Emanuela Siqueira.

Não há como falar em Geração Beat e não associar o termo aos nomes de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs. Os mais familiarizados incluirão Gregory Corso, Neil Cassady e Lucien Carr. Mas é a santíssima trindade masculina, primeiramente citada, que sempre deu o tom ao movimento contracultural, um dos mais significativos da primeira metade do século XX. Uma geração cansada do American Way of Life, louca para pegar a estrada, viver sem regras impostas, experimentando todas as sensações que o corpo pode ter, seja com sexo, drogas ou qualquer tipo de prática necessária. Como diria o próprio Kerouac em um trecho famoso de On The Road, eles queriam queimar e queriam conviver com mentes e corpos que fizessem jus à essa filosofia.

A arte desse pequeno grupo, que vivia entre a já caótica e cosmopolita Nova Iorque, a boemia de San Francisco e o Eldorado chamado México, era espontânea, direta e se comprometia apenas à si mesma. Mas essa filosofia era basicamente masculina e heterossexual. Ou pelo menos é o que boa parte dos textos sobre o grupo conta. No Brasil, Claudio Willer – um dos pesquisadores mais prolíficos sobre o grupo Beat – não deixa de falar do grupo de mulheres afiliadas ao movimento. Em um ou dois momentos do introdutório Geração Beat (L&PM), Willer comenta sobre as mulheres que estiveram à sombra dos grandes nomes do movimento, e especialmente cita Gregory Corso, que quando questionado sobre a falta de mulheres em um determinado curso de escrita criativa, disse:

“Houve mulheres, estiveram lá, eu as conheci, suas famílias as internaram , elas receberam choques elétricos. Nos anos de 1950, se você era homem, podia ser um rebelde, mas se fosse mulher, sua família mandava  trancá-la. Houve casos, eu as conheci, algum dia alguém escreverá a respeito.”

“Memórias de uma Beatnik” (Veneta, 2013), de Diane Di Prima, é o primeiro, e único até esse momento, trabalho traduzido de alguma das várias escritoras esquecidas - pelo menos no Brasil - nas sombras dos homens da Geração Beat. O contexto histórico do fim dos anos 40 e ínicio dos anos 50 não era facilitador para mulheres que, apesar de serem coadjuvantes relevantes e intermitentes nos romances de Jack Kerouac, por exemplo, eram relegadas apenas a esse tipo de papel: mães, amantes ou esposas histéricas.

Foi pesquisando uma série de fotos sobre a Geração Beat e encontrando uma da escritora Diane Di Prima, com cerca de 70 anos - hoje ela tem 81 e pasmem, continua escrevendo - que me dei conta do que li em “Memórias de uma Beatnik”. Aquela senhora, de camiseta e calças largas, uma sandália com meia e segurando a mão de sua neta é a mesma adolescente inquieta do final dos anos 40. Uma garota com olhar rápido e questionador que ao passo que se deslumbrava com o mundo louco que se desacortinava sobre seus olhos em momento algum demonstrava ingenuidade, mesmo nos momentos mais impetuosos de suas escolhas. Diane sempre soube onde queria chegar: na liberdade plena do seu corpo e de sua alma.

“Memórias de uma Beatnik” foi um romance encomendado no fim dos anos 60 pelo editor Maurice Girondias que já solicitava à Di Prima serviços para tornar romances sem sal em algo mais, digamos, picante. Sabendo que Diane precisava de dinheiro, ele acreditou na força de aliar as memórias dela durante os loucos anos 50 e o modo sutil e libertário que Di Prima podia narrar cenas de sexo. “Memórias de uma Beatnik” desempenha dois papéis que considero importantes: o primeiro em revelar a vida de jovens que em pleno anos 50, uma época marcada pela chamada geração silenciosa e o retorno ao conservadorismo, saíam de suas casas, deixando para trás suas famílias e religiões, largavam a universidade, que apesar de oferecer uma formação ainda as reprimia e seguiam suas próprias intuições. O segundo papel, que considero nesse caso o principal, é o de tratar da sexualidade feminina de uma forma simples, erótica e sem a imposição de um único gênero de uma relação heteronormativa.
  
Muitos homens com que Diane se relacionou sexualmente eram homossexuais que se sentiam atraídos ora pelo seu jeito forte, desinteressado e dono de si, ora como uma forma de criar um laço com o outro amante ou amado que outrora estivera com ela na cama. No começo de “Memórias de uma Beatnik”, descrevendo a sua primeira relação sexual – incrivelmente narrada mais como uma necessidade de finalmente ter seu corpo livre para experimentações – Diane transa também com o amigo do seu parceiro, um ato incrível em que ela percebendo os reais desejos dele o conduz para que receba e dê prazer sem que se sinta de alguma forma culpado posteriormente. 


 Mas nem tudo funcionava conforme os desejos da jovem Di Prima. Aliás, pouca coisa saia da forma que a cabeça vanguardista da jovem gostaria. Em determinado momento, em que relata suas relações com outras garotas - afinal, a Barnard College em que estudou, só contava com garotas e as descobertas do corpo são infinitas - ela traz uma das passagens mais tensas do livro em que não só denuncia uma falaciosa família de classe média americana de época – temas como frigidez e incesto são apenas básicos – ela sofre a primeira decepção com um dos seus pares, Tomi a garota que iria tirá-la finalmente da casa dos pais. Diane diz “meus olhos leram em sua expressão o que meus ouvidos não puderam aceitar de sua voz” quando uma garota que sonhava em ser artista e claro, conhecia o corpo das mulheres como ninguém, opta pela família ao invés de seus ideais.

Eu conhecera Tomi quando fui à faculdade pela primeira vez, cerca de um ano e meio antes. Após a liberdade alegre e um tanto surreal da escola secundária em Manhattan, a faculdade havia sido, de modo geral, uma decepção absoluta: um lugar de estereótipos masculinos e femininos de suéter de caxemira, e festas ruidosas e desagradáveis, regadas a cerveja. Lugar de um corpo docente infeliz com olhares de soslaio para virgens lascivas de Little Rock. Um lugar de partidas de bridge intermináveis, de festas superficiais, de um tédio que se espalhava feito praga por um campus muito bonito e por cada canto e fenda dos prédios cobertos de marfim. Um bom lugar para um assassinato, certamente, em que, em vez disso, ocorria uma média de três suícidios por semestre. (p.57)

A renúncia – ou grande dependência – da família era uma característica recorrente e causadora de crises nas mulheres hoje associadas ao movimento beat, assim como foi com os homens. Quando Virginia Woolf, duas décadas antes, defende o “um teto todo seu” para que uma mulher possa escrever, criar ou produzir qualquer coisa, talvez não esperasse que essa geração de mulheres tivesse a ousadia de viver em pequenos lofts, kitinetes ou mesmo quartinhos em condições precárias ansiosas em viver a sua liberdade. A escritora Beat que mais tratou da memória do momento, Joyce Johnson, conta em Minor Characters (Coadjuvantes, 1983) que elas saiam de suas casas sem um modelo a seguir, e mesmo que algumas tivessem lido o famoso ensaio de Woolf, as suas vidas em cidades caóticas como Nova Iorque e San Francisco, além das pressões sociais de suas famílias de classe média e religiosas, em nada condiziam com a forma de vida praticado por Virginia, uma mulher com a sorte de ser herdeira de uma família rica inglesa.

Nossos banquetes e festas eram reuniões rústicas e fartas, nas quais, desde os meus doze anos, eu me via me desviando dos assédios de um tio corpulento, que, para todos os efeitos, estava me ensinando a dançar tango; nas quais eu tinha de ficar parada para a inspeção que minha avó e as irmãs mais velhas de minha mãe faziam, apalpando meus seios em desenvolvimento, puxando-os para fora com os dedos, ou medindo meu traseiro com as mãos, enquanto comentavam em italiano meus pontos fortes e fracos como futuro animal de procriação. (p.60)

Diane Di Prima criou cinco filhos sozinha e durante muito tempo entre os anos 60 e 70 viveu em comunidades em que ela praticamente era a única provedora do grupo, ganhando dinheiro apenas escrevendo. A partir do capítulo 9 de “Memórias de uma Beatnik” Di Prima relata uma das suas primeiras experiências vivendo em uma espécie de comunidade, ela e mais três homens. É nesse momento que Di Prima desenvolve algumas de suas primeiras ideias contrárias ao uso da pílula, que segundo ela é apena uma bomba de hormônios machista. É até engraçado como nesse romance, Diane seja considerada provocadora, promíscua e até irresponsável mas na verdade só consigo enxergar independência diante do seu comportamento. Uma das situações mais famosas de Diane é quando ela decidiu que seria mãe pela primeira vez. Leia-se bem que “ser mãe” não supõe que ela gostaria de ser a mulher de alguém ou que seu filho deveria ter um pai. E foi isso que ela fez, apesar de assustar os homens no ínicio, quando comentava a sua vontade. Diane Di Prima quebrou uma série de paradigmas e convenções. Foi mãe sozinha, foi poeta em meio a uma alcatéia masculina, atravessou décadas seguindo firme seu próprio modo de vida. E fez tudo isso praticamente sozinha.

Bom, vocês podem se vangloriar, isso é coisa do passado, as garotas sortudas de hoje têm a pílula e podem fazer o que quiserem, são tão livres quanto os homens etc. etc. A pílula, a pílula, a pílula! Estou cansada de ouvir falar da pílula! Deixe-me contar algumas coisas sobre a pílula. Ela engorda, a pílula. Ela dá fome. Deixa os seios doloridos, com um ligeiro enjoo matinal; condena a mulher, que evitou a gravidez, a viver em um estado perpétuo de início de gravidez: debilitada, nauseada e propensa a cair no choro. E - ironoia suprema - deixa a mulher, que finalmente alcançou a liberdade total para transar, muito menos propensa a transar, diminuindo o desejo sexual. A pílula já cansou. (p.123)


Talvez lendo hoje, “Memórias de uma Beatnik” pareça ser apenas um romance erótico em meio a um filão que de tempos em tempos se renova. Mas diferentemente de alguns grandes best-sellers de momento, os relatos de Di Prima são acima de tudo uma memorabilia de como ela se fez mulher e acima de tudo, como ela se fez uma Beat, mesmo que a história, a crítica e o mercado editorial insistam em diminuir a importância dessas mulheres. Diane Di Prima não foi a única, e cada uma delas merece o seu lugar de destaque. A próxima vez que você olhar fotos da Geração Beat, se pergunte quem são as mulheres vestidas de preto ao lado de Jack Kerouac, Allen Ginsberg, William Burroughs e outros. Tenho certeza que elas tem muito a lhe dizer.

(Emanuela Siqueira é pesquisadora e tradutora de escritoras da Geração Beat. Ela mantém o blog Notas Aleatórias)

quarta-feira, 25 de março de 2015

Tête-à-Tête: Simone, Sartre e Instagram

Eu não senti raiva do Sartre. Talvez só uma raivinha, que passou rápido, quando me dei conta de que, por melhor escritora e pesquisadora que seja, e ainda que se mantenha fiel aos relatos dos fatos acontecidos, uma autora dificilmente é capaz de exprimir as emoções e sensações exatas de quem as viveu, principalmente quando os biografados não prestaram depoimentos diretos a quem escreve. Também não senti raiva do Sartre porque, embora respeite e me interesse pela produção artística e intelectual da Simone de Beauvoir, sempre olhei com alguma desconfiança o excesso de culto à pessoa que ela foi - ou que pareceu ser. Sim, pareceu ser. Lembro de ter pensado logo nas primeiras páginas do livro de-li-ci-o-so da Hazel Rowley que, se vivesse hoje, Simone  de Beauvoir usaria o Instagram. Dos lugares que frequentavam ao tipo de relações que estabeleceram entre si e com terceiros, quartos e quintos, passando por roupas, pequenos arroubos e escolhas mais ou menos polêmicas, tudo na vida do casal Beauvoir-Sartre pareceu cuidadosamente concebido para criar a aura que sobrevive relativamente intacta ao passar dos anos que os transformaram em ícones; às vezes, ou quase sempre, até mesmo em detrimento da arte e do pensamento que cada um deles produziu.
Tête-à-Tête aumentou ainda mais o meu desejo de tirar os dois volumes de O Segundo Sexo da estante para iniciar o desbravamento da obra da autora de quem conheço quase nada além da ficção; e também me deixou ainda mais desejosa do livro de cartas trocadas entre Simone e Nelson Algren. Seria a Simone de Nelson, a do final do relacionamento com Nelson, descrita por ele, a verdadeira Simone de Beauvoir? Podemos supor que existem verdadeiros nós e, portanto, existiu uma verdadeira Beauvoir?
Hazel Rowley escreveu uma história despida de deslumbrismos, retratando os intelectuais biografados como personagens cometedores de erros e acertos; sobreviventes e vivedores, como todos nós, de inseguranças, dúvidas e de incertezas.  A autora não teve medo de, apesar da admiração declarada, escrever sobre uma Simone que, como quase todos os seres humanos, sofreu, chorou e por vezes abdicou de si em favor de um relacionamento amoroso aparentemente fracassado ou não exatamente feliz.

Tête-à-Tête me encantou principalmente porque fez com que eu notasse os assemelhamentos entre nós e os biografados, que parecem ter vivido uma vida extraordinariamente próxima daquilo que denominamos real. A vida real que é como é, repleta de contrastes, com momentos monocromáticos, sem ajuste de luz ou saturação das cores. Escritos por Hazel Rowley, Beauvoir e Sartre - e o relacionamento entre eles - podem ser lidos repletos de imperfeições e distantes daquilo que consideramos ideal, sem filtro.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Discussão: "Um teto todo seu", Virginia Woolf


“Por menor que fosse, esse pensamento tinha, apesar de tudo, o mistério próprio de sua espécie – de volta à mente, tornou-se imediatamente muito empolgante e digno de atenção; e, conforme zunia, afundava e zanzava para lá e para cá, despertava um aluvião e um tumulto de ideias tal que me era impossível ficar parada. Foi assim que me vi andando extremamente rápido através de um gramado. Na mesma hora a figura de um homem surgiu para me interceptar. Não percebi de pronto que as gesticulações daquele objeto curioso, de fraque e camisa formal, eram dirigidas a mim. O rosto dele expressava horror e indignação. O instinto, em vez da razão, veio me socorrer: ele era um bedel, eu era uma mulher. Aqui era o gramado; ali estava o caminho. Somente os estudantes e os professores eram admitidos aqui; o cascalho era o meu lugar.”

Um convite para falar sobre As mulheres e a ficção em palestra na década de 1920 resulta no ensaio que compõe o maravilhoso livro “Um teto todo seu”, de Virginia Woolf, lançado em 1928. A escolha desse ensaio para discussão aqui no Bastardas mostrou o quanto de atualidade ainda existe nas palavras de Virginia e como as mulheres ainda estão em constante luta por espaço e por esse teto só seu.

No começo, a escritora inglesa nos fala sobre as dificuldades que uma mulher tem em simplesmente entrar em ambientes mais intelectuais, como a universidade. Inclusive no trecho escolhido para o começo dessa postagem, vemos como a mulher é interrompida constantemente em seu pensamento quando resolve adentrar esse terreno. A forma como Virginia constrói essa primeira parte do livro parece ser bastante significativa, uma vez que acompanhamos as idas e vindas e as descobertas que ela faz quando permite a fluência do pensamento. E tem uma correlação com o final do ensaio, uma vez que depois entendemos que é para evitar essas interrupções que as mulheres que querem escrever ficção (ou simplesmente pensar por si próprias) precisam da tranquilidade de um lugar só seu.

O ensaio aborda também a necessidade que o homem tem em falar e escrever a respeito das mulheres, opinando sobre qualquer assunto. Apesar do espaço quase nulo reservado nas prateleiras das bibliotecas para a escritora, a mulher e o feminino são objeto de escrutinação por parte dos homens que escrevem. Isso também aparece como uma forma de aprisionamento, afinal a mulher acaba se moldando culturalmente a partir da visão que o homem tem dela. Até meados do século XX, a figura feminina na literatura estava constantemente associada à loucura e à morte. E à inferioridade, uma vez que diversos desses livros escritos sobre mulheres fazem questão de ressaltar esse lado. Virginia levanta hipóteses a respeito dessa necessidade que o homem tem em falar sobre a mulher e também sobre o ódio que muitos demonstram ter pelo gênero: seria o medo que o homem tem de ser superado pela mulher? Também é muito interessante quando ela fala sobre o endeusamento que alguns livros fazem com a figura feminina como uma forma de aprisionar ainda mais a mulher. Colocá-la em patamares difíceis de alcançar é uma maneira de oprimir.

O capítulo em que fala sobre a irmã de Shakespeare foi um dos mais fortes do livro para mim, principalmente quando penso que até hoje existe essa separação para as crianças do que são atividades de menina e de menino. Esse ano li uma pesquisa que falava sobre mulheres na ciência, onde foi constatado que mesmo entre pesquisadoras já renomadas, que trabalham em institutos tecnológicos avançados, ainda existe esse tipo de separação. 70% das pesquisadoras mulheres achavam que eram inferiores aos homens no que faziam. Ainda é uma realidade muito brutal.

Por fim, mas não menos importante, Virginia menciona também a simplicidade como são tratados os relacionamentos entre as mulheres. Na página 119, ela fala:

“Todos os relacionamentos entre as mulheres, pensei, repassando rapidamente a esplêndida galeria de mulheres ficcionais, são muito simples. Muita coisa foi deixada de fora, sem ser abordada. E tentei me lembrar de algum caso, no decorrer de muitas leituras, em que duas mulheres tivessem sido representadas como amigas.”

Penso que esse seja um exercício diário para nós e por isso a importância desses movimentos de diversificação da leitura. Os tipos de narrativa que não se preocupam com isso ainda existem em grande maioria nos dias de hoje e a tendência é que elas continuem, se não houver um movimento em sentido contrário.

Então, vamos começar a discussão! Entrem no fórum e deixem sua opinião: Forum Bastardas.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Livro de Fevereiro: "Um teto todo seu" de Virginia Woolf

Olá,

Como já avisamos lá na nossa página, o livro escolhido para discussão em fevereiro é "Um teto todo seu", obra de Virginia Woolf, publicada em 1929. O livro consiste em palestras que Woolf ministrou em Newnham College e em Girton College, duas escolas para mulheres na Cambridge University. 


 Há várias edições do livro disponíveis aqui no Brasil, sendo a mais recente da editora Tordesilhas.

Convidamos a todos a nos acompanharem na leitura e a partir do dia 28 de fevereiro abrirmos um tópico para discussão em nosso fórum.

 Abraços e boa leitura!

domingo, 25 de janeiro de 2015

Discussão: "Tête-à-tête", Hazel Rowley



Feminismo e Existencialismo. Café de Flore. Castor. Paris. Amor e Liberdade. Inferno e Amor.

Joguei palavras soltas que invariavelmente nos remetem ao casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre e é a partir delas que pretendo falar sobre o maravilhoso “Tête-à-tête”, de Hazel Rowley, a biografia desse relacionamento. Antes do meu encontro com o livro sabia pouco a respeito da dinâmica entre eles a não ser o que é de conhecimento público para aqueles que já flertaram com o existencialismo em alguma época da vida: Beauvoir e Sartre mantinham um relacionamento aberto e falavam tudo sobre as relações paralelas que mantinham um ao outro. Tinham um pacto entre eles de sinceridade absoluta. Esse pacto não era muito bem visto pelas outras mulheres e homens com quem o casal se relacionava. Sabia também que entre os dois surgiam problemas em relação a essa sinceridade, mas nada que abalasse a união emocional e intelectual do casal. Os dois precisavam um do outro para produzir e era das conversas e debates que surgiam algumas importantes ideias. Era no “Tête-à-tête” que ambos se realizavam e não podemos saber o que teria acontecido com a literatura e filosofia que foi concebida por Simone e Sartre se o encontro não tivesse acontecido. O livro da Hazel corroborou tudo isso que eu já conhecia e me fez ir além ao mostrar as dificuldades enfrentadas principalmente no papel que cabia a Simone.

Sentia que, para as mulheres, o amor tinha um custo, e que havia uma parte dela que provavelmente nenhum homem jamais aceitaria. “Falo do amor de forma mística, sei o preço”, diz ela. “Sou muito inteligente, muito exigente e muito engenhosa para alguém ser capaz de se encarregar completamente de mim. Ninguém me conhece nem me ama completamente. Só tenho a mim”. (pág. 34)

Desde o início do relacionamento Sartre diz a Simone que não está interessado em monogamia e que o amor entre eles era essencial e fundamental pois eram o duplo um do outro mas que isso não os impedia de ter “casos contingentes”. Estariam livres de ciúmes se contassem absolutamente tudo em uma espécie de transparência absoluta. Essa ideia, que se encaixa na filosofia existencialista sistematizada posteriormente, parecia excitante à primeira vista se não fosse a diferença que existia (existe) no tratamento dado a homens e mulheres: para Sartre seria a continuidade de uma situação já conhecida, para Simone seria a luta contra todo o preconceito de uma sociedade. Ela aceita, causando uma certa surpresa ao próprio Sartre. Estavam estabelecidas as bases desse relacionamento que perduraria por toda uma vida.

A força de Simone nesse primeiro momento é palpável durante a leitura, provavelmente fruto da admiração que a biógrafa sentia por ela. Assim como o incômodo produzido com as atitudes de Sartre. Enquanto para ele as coisas aconteciam de forma natural, ela precisava se adequar àquela ideia. E como eu comecei a me incomodar demasiado com Sartre parei e me questionei: se ele estava agindo de acordo com a sua teoria ("o homem está condenado a ser livre") então porque eu sentia raiva dele e compaixão pelas outras mulheres com as quais se relacionava? Talvez por que a liberdade existencialista que ele propunha só fosse possível em uma sociedade igualitária? Acho que tem a ver com isso e também com as outras pessoas que compunham a vida dos dois. Mulheres nas quais era facilmente identificável alguma fraqueza ou ausência, que ficavam felizes em receber atenção de um homem como ele. Claro que em uma relação como essa existem os ganhos secundários também por parte de quem se envolvia e aceitava ser um caso contingente. Mas me pergunto se era possível enxergar as regras com a transparência que a situação exigia. Vale lembrar que enquanto os relacionamentos amorosos de Sartre com outras mulheres eram de conhecimento da maioria, os de Simone com outros homens precisavam ser mantidos em sigilo pois eles eram casados com outras mulheres. Esse é um ponto para discussão. 

Hazel ressalta a colaboração intelectual que acontecia entre Sartre e Beauvoir e para mim esses são os momentos mais emocionantes do livro. Não pude deixar de pensar em outros casais onde uma das figuras (normalmente a masculina) condenava a outra ao ostracismo. Ao lado de Sartre, Simone pôde ser livre intelectualmente e talvez essa tenha sido a principal razão que os uniu por tanto tempo: experimentar as possibilidades que um diálogo honesto proporciona. Esse pacto tinha raízes na liberdade de poder escrever principalmente sobre a sua própria vida e transformar aspectos não tão agradáveis em ficção. Em outros momentos de sua vida Simone teve a possibilidade de ter uma relação monogâmica mas preferiu permanecer ao lado de Sartre. Essa escolha não implica a falta de sofrimento, como vimos em algumas cartas que ela escreveu para outros de seus pares. Mas isso não retira a legitimidade dessa escolha como pude ver em algumas críticas ao relacionamento Beauvoir-Sartre.

Nas relações que tiveram, Sartre e Beauvoir nunca deixaram de viver como escritores. Era um engajamento total, todas as horas do dia. Prometeram contar “tudo” um ao outro, nos mínimos detalhes. Transformar a vida em narrativa era talvez seu prazer mais voluptuoso (pág. 11)





Esses são apenas alguns aspectos contidos na história do relacionamento entre Sartre e Simone de Beauvoir. O objetivo desse post é abrir uma discussão que acontecerá de forma mais aprofundada no fórum vinculado ao blog, para participar é só clicar aqui , fazer o registro e participar. 


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Sobre a representação feminina na literatura


Uma singela pesquisa para entender a importância de diversificar a leitura e como ela muda o olhar sobre a vida. Até o começo do século XX a maioria dos livros eram escritos por homens, então a representatividade feminina era baseada no olhar que esses homens tem da mulher. Em grande parte desses livros a mulher está associada à loucura e à morte (li Dostoiévski recentemente e apesar de ter amado o livro com toda a minha alma não pude deixar de notar essa especificidade). A mulher que lia esse livro, por não ter uma outra espécie de representação, aceitava aquele papel. E essa é uma visão que ainda temos em muitos dos comentários machistas que circulam por aí... Algo semelhante acontece no racismo e na representatividade das diversas minorias. Uma menina que cresce tendo ao seu redor bonecas que reproduzem um estereótipo vão em busca disso na vida adulta (e aí você considere todas as implicações e infelicidade que isso traz). Essa restrição da literatura a personagens homens, brancos e de classe média só repetem essa cultura da opressão. E os movimentos de diversificar a leitura acontecem nesse sentido, enxergar além, perceber que existem outras realidades e outras pessoas que devem ser representadas. 

Literatura como tudo na vida é um ato político. Você não lê apenas o que você quer, você lê o que chega até seus olhos. Dizer que não tem sentido mexer e questionar esses padrões é a mesma coisa que dizer: está tudo bem, nada precisa mudar! E essa pesquisa nos mostra que muita coisa precisa mudar!